Cuando o sol se atrasa
2023
Cuando o sol se atrasa é uma coletânea de poesias partidas de um inverno doloroso e largo.
Dois anos depois de chegar em Barcelona, o vento pareceu ficar cada vez mais gelado, ao passo que a realidade de muitos fatos también foi ficando mais dura e concreta. A migração perdeu seu ar de esperança e começou a mostrar os dentes num momento interno depressivo e turbulento. Borbulhando os anseios e sem poder sentir o sol na pele, me escondi no arquivo que hoje publico aqui.
Essa coleção segue em desenvolvimento, acompanhando a passagem da primavera e a chegada do verão. Os poemas viajam entre meus verões e invernos internos, incluem muito do sol e do vento de Barcelona e sao atualizados nessa página periodicamente.
hoje cortei meu cabelo
ajeitei ou piorei a franja
não sei dizer
me coloquei minha roupa clássica
tomei água pra ressaca
me lembrei que viver
passa também por sobreviver
estas ganas raras
que el castellano me dá
de poner puntos
casi siempre finales.
escribo de uma forma muy mia
que sei que comparto con otres
atravieso un océano
y en poco más de año
nao sei mais se falar aqui ou acá
ali ou allá
lo que se encuentra por la mitad
de um caminho que me dá
y me tira
numa velocidade que
se nao fosse eu migrante, não saberia explicar
un tanto perdida para que esté tan encontrada
en este sitio de paredes bajas
que não escolhi nem que me escolheu
mais bem era lo que había
de sobra de toda una vida
para llevar
y llenar
repetidas veces
el vacío que me hace ficar
migrar é um estado?
no dia que eu deixe de estar migrante
deixarei também de ser migrada?
posso conseguir um documento,
um trabalho ou um casamento
que me diga que já sou daqui,
que explicite quem eu sou aqui
mas ainda assim, tudo me diz
que a realidade que condiz
é que não deixarei de ser migrada
posso deixar o Estado pra traz
e fazer o caminho de volta pra colônia
posso fazer o inverso da vergonha
e ser recebida na terra natal
como quem volta pra sua origem final
e ainda assim,
acredito fortemente
que seguirei sendo migrada
porque quem migrou, aunque vuelva
nunca voltou
tampouco ficou
se mezclou
se perdeu
abriu feridas e fissuras
se remendou de maneira mal feita
porque o que podia não era o que queria
e a dor e a violência segue essa receita:
duas cicatrizes novas pra uma velha
enquanto uma sangra, a outra regenera
e de marca em marca
foi se moldando
quase sempre chorando
enquanto não chegava a primavera
e de dor em dor
sorrindo a cada intervalo
eu acredito sim que vai chegar
o dia de abandonar
o estado talvez temporal de imigrante
e ainda que esteja por venir
esse dia de possível redenção
eu concluo já de antemão que não:
eu não deixarei de ser migrada
porque foi escrito no meu corpo
por mim e pelos outros
à tinta permanente
as idas e vindas que eu fiz
como alguém que já não é mais daqui
me siento mucho:
te lo dedico
lo entenderás al arrepentirse
brilho de céu daqui
azul ofuscante lá
me divido no mínimo em dois
sempre estando
às vezes sem estar
sempre guiando
sem parar de caminhar
porque igual que migrar
é voltar pra sua terra
e ainda assim
não deixar de ser migrante
escrevi sobre você
nas minhas linhas mentais
que obviamente são bem tortas
mas que eu sempre me curvo pra ler